PRINCIPAIS IDEIAS DE RENATO GERALDO MENDES SOBRE A INTERPRETAÇÃO DO DIREITO
Interpretar é saber “ler” o que está dito, mas não escrito.
Uma coisa é linguagem; outra é informação.
O mundo e tudo o que nele existe se apresentam para todos nós criptografados ou codificados. A realidade é apenas um conjunto de “dados” que precisa ou pode ser transformado em informações.
O Direito é mais do que uma simples estrutura tridimensional.
Com a transformação ou materialização da “norma” em dado, encerra-se a missão do legislador e começa o problema.
O mundo (realidade) é apenas uma perspectiva interior do sujeito, não algo exterior a ele (realidade objetiva).
Sem o cérebro, não há como armazenar dados e, a partir deles, produzir informação. Da mesma forma, não haverá como produzir normas.
A mente humana é uma fábrica de produção de normas.
O enunciado contém apenas a indicação de uma possibilidade de direção, mas não é, nem pode ser, um destino único e certo.
Para produzir normas, é preciso ter a capacidade de formular perguntas e obter respostas alinhadas com a essência da ordem jurídica.
O positivismo jurídico tradicional procurou confinar a norma à moldura do enunciado e, com isso, confundiu dado com informação.
Confundir o enunciado prescritivo com a norma equivale a confundir a partitura com a música.
A concepção de que a norma é produzida pelo intérprete colide frontalmente com a concepção positivista.
A ordem jurídica é um conjunto de dados.
Um enunciado prescritivo é apenas um dado, e não uma norma.
A norma é um dever ser; o enunciado é uma potencialidade de dever ser.
Para que um “dado” (texto, imagem) se transforme em informação, é necessário que ele seja decodificado.
A norma é uma realidade do tipo progressiva, sujeita a sucessivas codificações e decodificações.
A norma é uma criação do intérprete a partir de dados.
É um equívoco afirmar que a norma que regula as condutas humanas é produzida pelo legislador.
Os dados (enunciados), por outro lado, não limitam nem condicionam a produção das normas pelo intérprete.
Não existe interpretação do texto ou enunciado prescritivo, mas interpretação a partir dele.
Normas não existem antes da interpretação.
Não existem normas em estado natural. O que existe em estado natural é o enunciado (dado), e não a norma.
A “revelação” da norma é um processo de construção.
A boa norma é o resultado de um parto muito difícil.
A Constituição Federal ou a Lei nº 8.666/1993, por exemplo, são apenas um conjunto potencial de normas na forma de dados.
A norma é um “dever ser” concreto.
O contexto do legislador é distinto do contexto real vivenciado pelo intérprete.
Os enunciados legais são apenas uma possibilidade de roupagem que as “normas” podem assumir.
Enunciados prescritivos não têm conteúdo. Normas têm conteúdo.
A Constituição Federal é um conjunto de representações simbólicas (dados) a partir do qual é possível extrair normas (dever ser concreto).
Em princípio, a Constituição Federal não tem conteúdo.
A norma é o produto final da interpretação, não o objeto da interpretação.
A “verdadeira” norma não integra o processo de interpretação porque ela é seu produto final.
O enunciado legal é apenas uma visão parcial do Direito.
Nem tudo o que está dito na ordem jurídica está escrito.
A ordem jurídica é potencialmente infinita.
De um conjunto de enunciados, é possível produzir uma quantidade infinita de normas.
Em interpretação, a criação é sempre maior que a criatura.
Os dados (textos) estarão sempre em falta com as normas.
Os enunciados apenas transportam ou contêm normas em estado potencial.
O enunciado é apenas a parte do iceberg visualizado na superfície.
A palavra não é método de interpretação, é matéria-prima da interpretação.
A produção da norma não depende da existência de um enunciado prescritivo (palavras).
É impossível reduzir a interpretação do Direito à literalidade do enunciado (texto legal).
A literalidade do enunciado é uma bússola com diversos polos magnéticos. Portanto, o destino é incerto.
A literalidade é confortante, mas não é capaz de possibilitar a segurança que esperamos dela.
A literalidade não é nada objetiva; no entanto, ela cria na mente humana essa sensação.
A norma não é fruto da objetividade, e sim da subjetividade. Eis o problema.
É possível dizer que existe uma única ordem enunciativa; mas não é possível afirmar que existe uma única ordem normativa.
O enunciado é estático; a norma é dinâmica.
O dado é visual; a norma não é visual, é virtual.
A norma não pode ser captada pela visão.
A norma está fora do enunciado; ele pertence a outro mundo, ou seja, à outra dimensão.
Não há diferentes entendimentos sobre uma mesma norma; existem diferentes normas a partir do mesmo dado (enunciado prescritivo).
Diferentes interpretações produzirão diferentes normas.
É o repertório, aliado à técnica, que faz a diferença e torna alguns intérpretes bons e outros não.
Para conhecer os dados, não é preciso ser jurista, basta ser alfabetizado. Dados não são informações, mas informações podem ser obtidas a partir deles.
Cada pessoa decodifica os dados que recebe de uma maneira diferente.
Quando se fala para um mesmo grupo de pessoas, utilizam-se os mesmos dados, mas não são transmitidas as mesmas informações.
Na enunciação prescritiva, nunca há um ponto final, mas sempre uma vírgula ou um ponto e vírgula.
Nenhum enunciado é, por natureza, tão claro que não exija interpretação.
A norma é o resultado da interpretação, portanto, é equivocado pensar que possa existir “norma” clara.
O que é claro é o enunciado, não a norma.
A decodificação de vários enunciados simultaneamente é tarefa das mais difíceis.
A ideia de regra e exceção é apenas uma questão de perspectiva segundo uma possibilidade fática.
Não há nenhum regime jurídico que seja formado por normas que estabeleçam apenas um padrão de conduta comum (ordinário).
Regra e exceção traduzem valores jurídicos e, por isso, têm igual importância.
O processo de interpretação jurídica é uma cebola.
Ir além da literalidade não é para qualquer um.
Haverá muito mais pessoas afinadas com o surf da superficialidade do que com os que tentam descortinar a essência.
Só o domínio essencial do Direito poderá construir verdadeiros intérpretes.
Há pessoas cultas que não são sábias e pessoas sábias que não são, no sentido tradicional da palavra, cultas.
Para obter uma boa norma, é preciso mais sabedoria do que conhecimento técnico.
Não é fácil conseguir ser simples e profundo ao mesmo tempo.
O fato de o enunciado prever que algo é vedado não significa que a norma não possa autorizar sem que isso represente violação da ordem jurídica.
Só uma adequada interpretação jurídica pode dizer quando se está diante da permissão ou da proibição.
A proibição e a permissão normativas não decorrem da enunciação, mas da interpretação de um caso concreto, pois é ele que possibilita a produção da verdadeira norma.
O mundo do proibido ou do permitido é apenas uma perspectiva pressuposta.
Não há sistema normativo perfeito sem um bom intérprete de plantão.
Uma coisa é o valor essencial que se pretende proteger, e outra é o pressuposto fático que se adota ou se reconhece para enunciar a proteção.
Fato (jurídico) é apenas a versão juridicamente aceita de uma possível representação objetiva.
Enunciado é meio, norma é fim.
Romper a barreira da literalidade é uma transgressão para os que entendem que a norma é o enunciado contido na moldura.
Na visão literal, que ainda é vigente e norteia a concepção mais tradicional, ilegal é o que está diferente do texto, do dado, do enunciado.
A ilegalidade existe apenas quando não se consegue identificar a verdadeira norma.
Não se pode dizer que há ilegalidade quando a enunciação literal de uma prescrição normativa não é respeitada, mas quando não se consegue sacar da referida prescrição a norma que habita seu interior – sua essência.
Há uma diferença não percebida entre “violar” o enunciado e “violar” a norma. Violar o enunciado não significa, necessariamente, violar a ordem jurídica.
A violação da ordem jurídica não se mensura ou se afere com base no respeito à literalidade do enunciado.
Enunciados não são verdadeiros nem são falsos, são apenas proposições simbólicas a partir das quais se produzem normas válidas ou inválidas.
A objetividade do enunciado prescritivo (dado) serve para conter a subjetividade, não para substituí-la ou eliminá-la.
A interpretação jurídica não depende da capacidade de leitura, mas sim da capacidade de ponderar coisas e valores distintos.
A ordem jurídica é um sistema de “normas” totalmente completo, ou seja, não há incompletude.
A lacuna é uma questão apenas visual, não virtual.
Olhar para o enunciado (texto) não significa que se verá a norma. O enunciado prescritivo é uma espécie de veículo com vidros fumês.
Interpretar não é só criar uma norma, mas também, acima de tudo, explicar, de forma lógica e convincente, por que se chegou a ela.
Conhecimento é informação, e informação produz conhecimento.